“ A comunicação entre os homens não é apenas uma relação de dois pólos, emissor e receptor; ela deve ser compreendida no âmbito mais lato de uma experiência do mundo.” José Manuel dos Santos
Perante estes dias de incomunicação a professora Isabel Guerra do ISCTE em Lisboa diz: “ Na passagem do rural ao urbano, dizia-se que tínhamos perdido a capacidade de socialização que tínhamos nas comunidades rurais”. Segundo o professor João Ferrão do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa: “A incomunicação é, mais do que nunca, um desafio”.
A incomunicação consiste na incapacidade de dialogar, de compreender aquilo que nos é transmitido. Não é defeito, não é erro, é característica de quando falamos (José Pimentel Teixeira).
Comunicação e incomunicação de mãos dadas
Nos dias que correm quanto mais se aperfeiçoam os recursos, as técnicas e as possibilidades que o ser humano tem de se comunicar com o mundo, com os outros Homens e consigo mesmo, aumenta também, em idêntica proporção, as suas incapacidades, as suas lacunas, o seu boicote, os seus entraves ao mesmo processo, aumentando assim um território tão antigo quanto esquecido, o território da incomunicação humana. Podemos afirmar que olhando nas sociedades de hoje em dia a comunicação e a incomunicação andam e crescem sempre juntas. E que como não poderia deixar de ser, uma disputa com outra o papel vital de manifestação. De acordo com uma entrevista publicada no jornal alemão “Die Welt”, Umberto Eco considera que a Internet pode gerar uma incomunicação, devido ao facto de cada um poder construir na Internet a sua própria enciclopédia da sabedoria e conhecimento impossibilitando as referências culturais comuns. “Existe o sentimento de que a proliferação das comunicações, dos meios e de actos de comunicação, permitida em larga escala pelas novas técnicas de comunicar, contrasta com uma incomunicação humana que não tem directamente a ver com a materialidade desses meios, mas, antes de mais, com a especificidade da cultura e do sujeito modernos.”, é a opinião de José Manuel dos Santos, professor no departamento de Comunicação e Artes da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior que vai ao encontro com as considerações de Umberto Eco.
Incomunicação chega à literatura e aos cinemas
A incomunicação é um tema actual e está presente em vários aspectos da sociedade, como por exemplo na literatura. José Maria Pozuelo Yvancos, no seu estudo “O cânone na teoria literária contemporânea”, afirma que a teoria literária norte-americana parece viver numa acentuada incomunicação. Também Arnaldo Silva, escritor e professor de literatura, pensa que Harold Pinter, dramaturgo inglês distinguido com o prémio Nobel da literatura em 2005, “é um bom representante da incomunicação moderna, dos desajustes conjugais e sociais e da extrema solidão que se pode sentir estando acompanhado”.
Barreiras à comunicação humana
Segundo John Parry, em “Psicologia da comunicação” (1972), a interpretação dos códigos muitas vezes inclui obstáculos à comunicação. A falta de entendimento das mensagens tanto pode causar um mal entendido, deixando muitas impressões de que algo deixou de ser registado. Parry considera que existem sete principais barreiras à comunicação humana: a limitação da capacidade do receptor, a distracção (ruído), a presunção não enunciada, a incompatibilidade dos planos, a intrusão de mecanismos inconscientes ou parcialmente conscientes, a apresentação confusa e a ausência de recursos de comunicação.
Semelhanças com história mitológica e bíblica
Nas sociedades de incomunicação actuais até podemos encontrar pontos em comum com a história mitológica e bíblica da “Torre de Babel”. Na narrativa, Deus enfurecido com a ousadia dos homens fez com que todos os que participavam na construção da torre começassem a falar idiomas diferentes para que não se pudessem entender. O mesmo acontece actualmente: o facto de todos termos acesso a meios comunicação cada vez mais avançados, faz com que, curiosamente, deixemos de estabelecer boas comunicações e nos fechemos cada vez mais num mundo só nosso, sem que entendamos e sejamos entendidos por outros.
Comunicar é essencial
A comunicação é essencial para o ser humano e deve-se sempre tentar reunir as condições certas para que possamos compreender e ser compreendidos, e actualmente não estamos a fazê-lo e isso origina um défice de comunicação.
Quanto mais nos orgulhamos dos bons serviços e dos meios de comunicação de hoje em dia, mais a incomunicação a ganha força e ousadia, provocando estragos, desfazendo e desmontando, distorcendo e deformando, semeando discórdia e gerando falsas expectativas, invertendo sinais e valores, azedando as relações e produzindo incómodos. Tudo isto leva a que cada vez mais exista comparação entre os tempos que decorrem e a história bíblica para a origem das línguas (idiomas), na “Torre de Babel”. José Manuel Santos considera que a “insistência do discurso moderno no tema da comunicação é, pelo menos, um sintoma deste mal-estar-no-mundo. Em todo o caso as propostas terapêuticas da “crise da cultura” formuladas pelo último Husserl e por Merleau-Ponty passam por uma elucidação do “mundo da vida” e apresentam-se, ao mesmo tempo, como teorias e terapias da comunicação”.
Curiosidades:
- "Pensar a comunicação a partir da incomunicação"
- A telenovela "Torre de Babel"
- Babel (filme de Alejandro González Iñárritu)
- Lost in Translation - O amor é um lugar estranho (filme de Sofia Coppola)
(Reportagem realizada para a disciplina Teoria da Comunicação (1ºano) leccionada pela docente Dina Cristo. Maio 2007)