segunda-feira, 8 de setembro de 2008

"Sentir-me-ia desmotivada se os meus textos fossem apenas publicados em papel"





Vencedora do Prémio Jovem Jornalista Europeu, Susana Ribeiro, conta-nos como chegou à área do jornalismo online, comenta o tema polémico do jornalista-cidadão e deixa recomendações para quem quer seguir carreira como jornalista online.





Elisabete Paulos Ribeiro – Como chegou ao jornalismo digital?
Susana Ribeiro - Cheguei por acaso. Fiz o estágio em jornalismo escrito convencional, na secção de Ciência e Tecnologia do “Diário de Notícias”, no Verão de 1999, e depois de acabar o estágio fui convidada para integrar o projecto embrionário do “Última Hora”, no Público. Era recém-licenciada, à procura do primeiro emprego, não podia dizer que não a um trabalho no Público, ainda que fosse para o online, que nessa altura ainda tinha uma espécie de aura de “jornalismo de segunda”.


E.P.R. – Alguma vez se sentiu desmotivada por os seus trabalhos serem publicados na Internet em vez de aparecerem nos jornais, na televisão ou nas estações de rádio?
S.R. - Sim. Até há cerca de quatro anos, confesso que achava “menos nobre” a publicação de um texto apenas em suporte online. Hoje em dia acho o contrário. A publicação online tem inúmeras vantagens que o papel não nos dá. Dando apenas três exemplos: os textos disponibilizados online proporcionam feedback imediato (através dos comentários), permitem hiperligações (para vídeos/galerias de fotos/outras notícias…) e não constrangem um jornalista a escrever determinado número de caracteres. Hoje em dia sentir-me-ia desmotivada se os meus textos fossem apenas publicados em papel.


E.P.R. – A Internet permite uma maior interacção com os utilizadores. Como é receber comentários sobre os seus trabalhos?
S.R. - É preciso saber lidar com os comentários “a quente”. O nosso trabalho nunca agrada à totalidade dos leitores, por muito boa fé e isenção que um jornalista tenha. Quando as críticas são construtivas, recebo-as muito bem. Quando não, é preferível não lhes atribuir demasiada importância.


E.P.R. – De que forma isso a ajuda a melhorar o seu trabalho?
S.R. - Se os comentários apontam para erros concretos, tento sempre fazer um “double check”. Se o leitor está certo e houve mesmo um erro da minha parte, corrigo-o e envio um mail ao leitor a agradecer a atenção dispensada.


E.P.R. – Qual foi o seu trabalho mais comentado? E o menos?
S.R. - Os mais comentados mas que não estavam assinados por mim – porque eram coisas de actualidade de agência e eu limitei-me a reescrever/adaptar: o primeiro foi a morte da personagem Dino, dos “Morangos com Açúcar”; o segundo foi a saída do Santana Lopes de uma entrevista na SIC Notícias, depois de ter sido interrompido por um directo sobre a chegada de Mourinho a Portugal. O meu trabalho assinado mais comentado terá sido o feature “Te quiero/Eg elskar deg”, sobre os 20 anos do programa Erasmus. O menos comentado não sei qual foi, sinceramente.


E.P.R. – Qual a situação actual do jornalismo online?
S.R. - É boa e recomenda-se. A título de exemplo, o trabalho que referi acima - “Te quiero/Eg elskar deg” – valeu-me recentemente um prémio internacional de jornalismo. Foi o primeiro trabalho recebido pelo Público por um trabalho publicado apenas no suporte digital. Muito sinceramente acho que é uma questão de tempo até que as redacções online e “papel” do Público se fundam. Em 20 anos (talvez menos), duvido que ainda existam jornais em papel. Nessa altura todo o jornalismo será necessariamente online. A única coisa que mudará é o suporte, não o que se escreve nem o rigor com que se escreve.


E.P.R. – O que pensa da figura do cidadão-jornalista? É uma ameaça? Para quem?
S.R. - A verdade é que a figura do cidadão-jornalista pode ser uma grande ajuda para o Jornalismo. Quando um cidadão denuncia situações de injustiça, corrupção, logro, etc., está muitas vezes a apontar aos jornalistas onde é que eles têm que ir “farejar”. Muitas vezes são os próprios jornais – o Público tem vindo a fazer esse tipo de coisas – a apelar à ajuda do cidadão-jornalista, em caso de acidentes ou de tempestades, por exemplo. Hoje em dia, a tecnologia permite que qualquer pessoa com um telemóvel equipado com câmara fotográfica ou de gravação vídeo, e ligação à Internet, possa partilhar com toda uma comunidade de leitores aquilo que viu. E não é isso a raiz mesma do jornalismo? A chegar a ser uma ameaça, sê-la-á para os jornalistas. Não digo que não possa acontecer, mas nesse caso não basta que as pessoas tirem fotografias de um acidente e contem o que se passou. É preciso contactar com fontes, falar por exemplo (usando a hipótese de um cidadão-jornalista ter assistido a uma catástrofe natural) com a Protecção Civil, Bombeiros, Governo… E quando isso acontece, é necessária uma apresentação formal por parte do jornalista, dizer ao que vem e para onde escreve. Dificilmente um cidadão isolado conseguirá ter maneira de o fazer. Para já precisa de muita motivação (tradicionalmente os jornalistas-ciadãos têm um trabalho fora da esfera do jornalismo e dificilmente poderão afastar-se dele para contactarem fontes e escrever artigos) e depois é preciso ter alguns meios técnicos à disposição (telefones, gravadores…). Poucas pessoas se darão a este trabalho, sobretudo se isso não os compensar financeiramente… Enfim, não consigo prever se, no futuro, os jornalistas poderão ou não ser substituídos pelos cidadãos-jornalistas. A verdade é que há blogues específicos muito bons em Portugal – sobre música, cinema, teatro, literatura… - de pessoas que não têm nada a ver com o jornalismo, mas que podiam muito bem ser profissionais da área. Resumindo: sobre esta questão não consigo fazer futurologia. O tempo nos dirá.


E.P.R. – Qual o conselho que dá às pessoas que querem seguir carreira em jornalismo online?
S.R. -
Acho que não há conselhos específicos para quem queira fazer uma carreira no jornalismo online. O que recomendo a qualquer pessoa que queira ser jornalista – independentemente do suporte para o qual venha a escrever – é que seja persistente, justo, que se empenhe em saber e contar a verdade e que esteja sempre disponível para aprender mais. O sentido de humor é outro dos atributos que, não sendo indispensável, pode fazer alguma diferença. Fundamental, sempre, é a correcção ortográfica. Hoje em dia, com tantos dicionários online, não há razão nenhuma para se dar erros de Português. Sempre que tenho dúvidas, vou ao
Priberam. Mais vale perder cinco minutos a reler um texto, do que publicá-lo mais depressa, mas com erros e gralhas. Isso prejudica a imagem do jornalista e do jornal. E isso é um risco que é preferível não se correr.
(Entrevista realizada para a disciplina Jornalismo Digital (2ºano) leccionada pelo docente Francisco Amaral. Junho 2008)

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